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Monet e sua infância

Sou parisiense de Paris. Nasci em 1840, sob o bom rei Luís Filipe, num ambiente puramente voltado para os negócios, onde se manifestava um desdém pelas artes. Mas minha juventude foi passada em Le Havre, onde meu pai se estabelecera por volta de 1845 para perseguir seus interesses mais de perto, e essa minha juventude foi essencialmente vagabunda. Fui indisciplinado desde o nascimento; nunca me coube seguir uma regra, mesmo na minha primeira infância. Foi em casa que aprendi o pouco que sei.

A escola sempre me pareceu uma prisão, e eu nunca conseguiria me convencer a viver lá, mesmo por quatro horas por dia, quando o sol estava convidativo, o mar, lindo e era tão bom correr nas falésias ao ar livre ou mergulhar na água.

Até quatorze ou quinze anos, para desespero do meu pai, vivi uma vida um tanto irregular, mas muito saudável. Enquanto isso, aprendi minhas quatro regras da melhor maneira possível, com um toque de ortografia. Meus estudos se limitavam a isso. Não eram muito difíceis porque eram intercalados com distrações. Decorei as margens dos meus livros, decorei o papel azul dos meus cadernos com ornamentos ultrafantasiosos e representei, da maneira mais irreverente, distorcendo-os o máximo possível, os rostos ou perfis dos meus professores.


Rapidamente me tornei bastante hábil nesse jogo. Aos quinze anos, eu era conhecido em Le Havre como caricaturista. Minha reputação estava tão consolidada que fui categoricamente solicitado de todos os lados para retratos caricatos. A abundância de encomendas, e também a insuficiência dos subsídios que minha generosidade materna me forneceu, me inspiraram a tomar uma decisão ousada que, é claro, escandalizou minha família: eu cobrava pelos meus retratos. Dependendo do humor das pessoas, cobrava dez ou vinte francos pela encomenda, e o processo funcionava maravilhosamente bem. Em um mês, minha clientela havia dobrado. Consegui adotar o preço único de vinte francos sem diminuir em nada as encomendas. Se eu tivesse continuado, seria milionário hoje.¹

Esse excerto da entrevista do jornalista Thiébaut-Sisson com Monet nos faz pensar como essa criança e adolescente descrita por ele seria enquadrada nos diagnósticos contemporâneos. No mínimo como Transtorno Opositor Desafiador. Se medicado conforme previsto, poderia frequentar a escola de acordo com o esperado? Mas será que teríamos um Monet? Quantas crianças e jovens não estão sendo escutados em suas singularidades? São medicados e enquadrados sem que se saiba do sujeito em questão...


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Jules Didier, The Butterfly Man
Jules Didier, The Butterfly Man

¹ Primeiros parágrafos de "Minha história", entrevista feita por Thiébat-Sisson. Publicada em 26 de novembro de 1900 no jornal "Le Temps".


 
 
 

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